sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mãos
Duas mãos velhas
escurecidas pelo sol
e pelo barro
enrijecidas
pelos calos
em cada dedo –
pequenos facões esfolados pelo tempo –
de unhas pretas afiadas
em golpes certeiros
contra o canavial.
Pelo buraco da rachadura
era possível avistar
aquela maldita gota soprando
bolhas no reboco
do antigo teto branco
Agora, amarelo amarronzado
marrom esfumaçado
cinza dissipado
em pontinhos pretos
e algum tijolo
na aquarela do mofo
a rua estreita
casas modestas
de um lado e de outro
árvores fazem sombra
o sol quente do meio-dia
irradia o chão
de paralelepípedos
que sobem ladeira
descem ladeira
onde o estandarte avança
e um bloco preenche
todos os paralelepípedos
e as calçadas também
pés e cabeças giram
cores se fundem
as sombras dançam
enquanto o trompete canta
essa gente que
foron fon fon
fon fon fon fon...
rroon
era o gato
fiiiuuuu
com um apito

rroon rroon
era o motor
fiu! fiuu!
era o motorista

rroooon fiiiuuu...
era o ronco

rrooooaAAahhhrrr
do monstro

shhhhh...!
na barriga da vovó

Na medida

àquela caneca que me servia.

Tododia
Tododia
ela se enchia
do café amargo
que respigava no papel
Enchia-se
de mate para acelerar
erva doce para acalmar
água para diluir
até mesmo chocolate
em barra
com guaraná
em pó
e café
com leite
sei lá por quê
não fique vazia
não fique vazia
lembre-se
às segundas-feiras
em horário comercial
é proibido se encher de ar
tánahora ar
tánahora ar
...
Queria mesmo era se encher de uísque
sem que ninguém pressentisse
aquela bebida etílica
a fazer redemoinhos
e correntezas acorrentadas
sobre a mesa do escritório
Ela se enchia
Ela se enchia
(É proibido transbordar)
Ela se enchia
Ela se enchia
tanto que
numa manhã chuvosa
sem poder partir
partiu-se
Esse Rio que já não nos cabe
fuma pessoas e atira guimbas
de gente na paisagem
Manhã
raios de sol iluminam
nobres senhoras que passeiam
na Avenida Atlântica entre
silicones de travestis
pivetes, turistas
gritos de vadias
cores do arco-íris
salários de bombeiros
sedas de maconheiros
meia dúzia de ambientalistas
com cartazes reciclados
para ciclista ver
um rapaz trôpego
caminha no calçadão
com um copo vazio
e altas ondas de
plástico-biscoito-côco
picolé-lata-esgoto
restos de mar
que chuááá na areia
formando a composição dadaísta
desse verão que te ganha
em Copacabana.

domingo, 11 de setembro de 2011

descompasso

Eu bem te avisei
sobre essa distância
que se fez entre nós

Eu bem te avisei
de um estranho vazio
essa tal liberdade
que se fez entre nós

Eu bem te avisei
Sem saber bem o quê
Sem saber o porquê
E até te acusei

Procurei
dançar com outros pares
em estranhos estares
nessas noites,
longe de ti

Tu não entendias
minha alma perdida
tal alma penada
tão ao lado teu

(eu bem te enganei)

Eu bem que não quis,
mas tudo secou
Meu bem, esse amor
nos descompassou.
Bom mesmo é estar somente só
no silêncio das vozes
na ausência da gente
Somente só
tão assim para dentro
sem qualquer movimento
apenas essas ideias
incitando as mãos
a riscar o momento.
.buscando.
.em.
.um.
.instante.

[intensamente]

INTENSIDADE
paraessesdiasquecorrem.

claquete

para ler ao som de blues


Uma pausa triste
Meu olhar alheio
mira a janela
sem nada ver
(Espera da janela
sei lá o quê)

Pego o cigarro
acendo num trago
e, na fumaça,
dissipo essas lágrimas
que teimam em cair
lentamente

Por causa de você
quase pareço
cena de cinema
nos anos 50.
Percebi ser meio torta
como a árvore envergada
quando adentrei aquela área
em que diziam não ter nada

Eu, assim, admirada
até achei muito absurdo
perceber coisa nenhuma
em um lugar que tinha tudo

Naquela bela verde terra
tinha água, tinha flor
dava fruto mais gostoso
dava o mais puro amor

No galho a desfolhar
bichos apareciam
vento assobiava
orvalho respingava

Não havia medo algum
era uma civilização
contradizia o homem
que vive na perdição

Em clima mais ameno
sem fumaça ou cimento
o mundo andava mais lento
e até esquecia o tempo

Nas ruas, poucas casas
não se via apartamento
puleiro era lugar de galinha
não cabia nem o jumento

Em vez de asfalto e buzinas,
passarinhos em sinfonia
se algum barulho se ouvia
era o rio de águas macias

O dia era na cachoeira
A tarde era fruta do pé
A noite era céu de estrelas
A vida guardava mais fé.

breve história do sonho inacabado

São lembranças de um reino distante...
onde eu era a princesa.

Um dia, a bruxa malvada jogou em mim o pó da incompreensão.
e mandou o vento levar o meu castelo de areia.
Eu morava nesse castelo, sabe?
Eu era a princesa do castelo de areia que o vento levou.

Eu fiquei na praia, no tempo nublado.
Olhando meu castelo triturado.
Eram apenas grãos de areia,
onde eu via paredes do aço mais forte.

Enchi as mãos de areia e tentei desesperadamente juntar os grãos
em vão.



e lá se vão os grãos.
para onde?

conjugar

É que em nosso perfeito nós,
vieram vós e eles
Não, meu amor,
não eram pronomes
Era a dor
Éramos nós
Eram os nós
Carapaças de aço
Concreto. Ruído
Muito acontece
Nenhum estímulo

No corpo rendido,
a letargia faz o tempo
Os olhos reviram e miram
Para dentro

Terra à vista? Não
Lá estão os pensamentos
Que ressoam, se atracam,
se amam e misturam
Diante de uma palavra tua

Horas voam: tic-tac
E tudo que acontece na cidade sou eu
Hoje o Rio ficou assim:
vocêeeu.
Tanta luta. Tanto anseio.
Tanto achado. Tanto tanto.
Que nos perdemos. De nós.

sábado, 10 de setembro de 2011

perseguição

Esse nosso adeus:
um ciclo de amor vicioso
o gato atrás do rato atrás do gato
separados, mas em círculos
o rato rói e eu roído
eu, ruído,
mais pareço
um gato que engoliu o mio
em meio a tua ausência
e minha fel (ina) solidão
até sou rato
a amar os bueiros da noite
no calar da dor constante.